terça-feira, 16 de outubro de 2012

2 PERDIDOS

Muito tempo atrás, quando o réveillon se aproximava, uma pessoa querida me perguntou o que eu esperava dela no ano que iria começar. Eu disse que não sabia, e era verdade. É verdade, também, que, desde então, eu aprendi alguma coisa. Percebi, com algum arrependimento, que havia, sim, coisas que eu deveria ter dito e que talvez tivessem nos ajudado. Mas tive preguiça, ou não tive coragem, e deixei a oportunidade passar. Hoje, acho que as coisas que eu não disse são importantes, e talvez não apenas para mim.
A primeira coisa que eu desejo é que você continue sendo como é.
Parece bobagem, mas, à medida que as relações avançam, as pessoas se transformam. Elas vão se acomodando em papéis que substituem a personalidade complexa e rica que costumavam exibir no início do namoro - e que continuam a ter fora do casal. Eu estou falando, por exemplo, da garota que banca a menininha, enquanto o cara assume o papel de papai. Ou da mulher que passa a agir como mãe (carinhosa ou rabugenta), enquanto o namorado ou marido faz papel de filho. Penso na garota que começa a tratar o parceiro como o bobinho querido que não faz nada direito ou, do contrário, passa a venerá-lo como se ele fosse incapaz de errar. Penso no cara que se acomoda ao ciúme da mulher (ou vice-versa), e passa a viver como se a desconfiança doentia fosse uma parte natural da vida.
Viver sozinho é uma opção moderna. O sujeito não é acordado pelo despertador dos outros, volta para casa na hora que quer e vê o que deseja na televisão. Nunca tem de interromper a leitura para escutar a última história sobre a família, o trabalho ou os amigos de ninguém. Se em algum momento estiver carente, tenta encher o quarto com o corpo e as ideias de uma mulher de quem ele goste. Temporariamente. Ainda assim, as pessoas se juntam, namoram e passam a dormir juntas todos os dias. Diante dos confortos e facilidades da vida urbana, essa atitude às vezes me parece um mistério. Por que abrir mão da enorme e promissora liberdade do século 21 para se confinar ao espaço de um único relacionamento, que tende a ser mais estreito e mais restrito do que qualquer arranjo solitário? Supondo que os envolvidos não queiram ter filhos, claro. Se quiserem, é outra história. Até hoje, ninguém inventou um ambiente melhor para criar filhotes humanos do que uma casa em que haja dois adultos dividindo essa pesada responsabilidade. Acho que essas razões concretas, e não as palavras altissonantes, explicam por que as pessoas abrem mão da liberdade moderna para meter-se em relacionamentos. O conforto do sexo e da companhia constante não se consegue de outra forma. Não está à venda no supermercado e não tem no delivery dos sites de relacionamento. Para ter alguém enchendo a sua vida – e algumas vezes o seu saco – é preciso renunciar a parte da sua independência e do seu sossego, deixar que o outro invada o seu espaço com móveis esquisitos, conversa fiada e despertadores barulhentos. Faz parte. Quem já passou por isso sabe que nem sempre é sensacional, mas ultimamente, agora, esta manhã, tem sido indescritivelmente bom.

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