segunda-feira, 8 de abril de 2013

DORMIR DE CONCHINHA

Proximidade é coisa que se aprende. Demora algum tempo para que a gente relaxe na presença do outro e extraia desse contato o prazer e a paz profundos que a intimidade física proporciona. Quando isso acontece, a gente descobre, invariavelmente, que está dormindo de conchinha.
Não sei o que existe nessa posição que a torna tão universalmente afetuosa. Pense nos filmes que você viu ou nos romances que você leu: quando o narrador da história quer sugerir que o casal está muito próximo ou apaixonado, faz com que ele a abrace pelas costas e os dois adormeçam “como duas colheres”, que é o jeito como os americanos descrevem essa posição. Talvez exista a mesma expressão em japonês, mongol ou na cultura tuaregue, do norte da África. Eu não me espantaria. Sendo o corpo humano igual no mundo inteiro, é provável que diferentes culturas usem as mesmas formas corporais para demonstrar carinho e dividir conforto.
No livro Tristes trópicos, ,  há um momento em que ele descreve como os índios nômades , do norte do Mato Grosso, (cuja cultura material era tão pobre que nem redes ou cabanas eles tinham), dormiam aglomerados em volta da fogueira, nus sobre o chão nu, os casais abraçados em conchinhas para se esquentar e proteger. Talvez venha daí, do tempo que éramos tão selvagens e tão pobres que só tínhamos o nosso próprio corpo, e o corpo dos outros como nós, nossa disposição ancestral de abraçar pelas costas e encaixar o rosto nos cabelos da mulher querida – para esquentar e proteger.

Apesar do progresso e da nossa imensa prosperidade material, acho que às vezes ainda nos sentimos como índios . Ainda despertamos assustados, no meio da noite, assaltados por medos e inquietações tão humanas, tão profundas, que nem sabemos de onde eles vêm. Nesses momentos de vulnerabilidade, quando nos sentimos minúsculos e irremediavelmente solitários, abraçamos o corpo da parceira ou do parceiro como se ele fosse um refúgio, talvez o último, da nossa integridade ameaçada.
Sei que algumas pessoas recusam até de forma inconsciente esse tipo de contato afetuoso. Elas o associam a acomodação. Escolhem manter a relação no que eu chamo de estágio do beijo, quando a fome e a curiosidade pelo outro ainda não foi saciada e parece que nunca será. Nesse momento sublime dos agarros, o acesso ao corpo do outro é 100% erótico. Apenas mãos, saliva, palavras. Tem gente que se embriaga disso e não quer sair. Evita o passo seguinte, em que o barato físico pelo outro dá lugar a outro tipo de coisa, mais suave e mais silenciosa – e os beijos famintos são substituídos, sem que se perceba, pelos abraços de conchinha. Não sei se alguém já fez um estudo científico sobre isso, mas parece que a convivência simultânea entre beijos famintos e abraços de conchinha é impossível no longo prazo. Vocês me digam. 

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