Assisti a dois filmes românticos. Estava na sala, liguei a televisão e apareceu um deles. Fiquei e vi. No dia seguinte, em outro horário, deparei com o segundo. Também fui fisgado. Ambos eram bonitos, sensíveis, envolventes. Ambos capazes de me deixar melancólico e intrigado. Pensei: que diabo nos acomete quando vemos esse tipo de filme? As pessoas se beijam, as pessoas se apaixonam, as pessoas se deixam e choram – e conosco, vendo aquilo tudo, acontece o quê?
Os dois filmes que eu vi nada têm de especial. o encontro entre duas
pessoas de mundos diferentes, que parecem destinadas uma a outra desde o primeiro
momento. São dois mitos poderosos - o amor inesperado e o amor eterno – cujos
efeitos transbordam da televisão, encharcam os nossos pés e, de forma
insidiosa, entram na nossa vida. Eu me
pergunto, essencialmente, se esses filmes adocicados ou arrebatadores descrevem
as nossas verdadeiras emoções, (e por isso nos afetam tão profundamente), ou se
eles nos contam, de maneira idealizada, como a nossa vida romântica deveria ser
(e na vida real nunca é!) e por isso nos fazem sentir tão exaltados e tristes.
Enquanto o garoto de 11 anos ainda reúne coragem para simplesmente falar com a
menina de quem ele gosta, o filme diz a ele que é hora de amar, fugir e casar
contra a vontade dos adultos. Não é à toa que a vida dele parece mesquinha e
melancólica. Menor.
O psiquiatra Jurandir Freire Costa escreveu, num livro
maravilhoso e difícil chamado Sem fraude e sem favor – estudos sobre o amor
romântico, que “o amor é uma crença emocional e, como toda crença, pode ser
mantida, alterada, dispensada, trocada, melhorada, piorada ou abolida”. Contra
a ideia de um amor natural, eterno e universal, ele propõe um amor cultural. “O
amor”, diz ele, “foi inventado como o fogo, a roda, o casamento, a medicina, o
fabrico do pão, a arte erótica chinesa, o computador, o cuidado com o próximo,
as heresias, a democracia, o nazismo, os deuses e as diversas imagens do
universo”.
Seguindo a lógica do Jurandir, o que os filmes fazem é
recontar, diante da sua audiência emocionada, as lendas correntes do amor
romântico. Eles realimentam um mito que fomos ensinados a admirar e a desejar
para as nossas próprias vidas, com consequências potencialmente destrutivas. Se
o amor é aquele arrebatamento tempestuoso de um filme, ou o sentimento pétreo e
permanente do outro, que nome dar (e, sobretudo, que valor dar) à sensação
fugidia e cheia de dúvidas que me liga à Fulana ou ao Sicrano? O que eu sinto
seria amor de verdade ou não passa de mera cópia pirata? Nos filmes, afinal, o
amor é grandioso, pleno de certeza, permanente...
Este parece ser um dos casos em que a arte não nos prepara
para lidar com a vida. Para entender o amor de verdade, na forma possível que
ele toma na existência de cada um de nós, talvez seja preciso se livrar da
grandiosidade. O romantismo pode ser uma prisão cheia de filmes e músicas, no
interior da qual as pessoas adoecem –ou envelhecem - esperando por algo que não
existe. Fujamos dissA vida real é melhor. Nela, apesar da precariedade da
incerteza, tudo pode ser refeito, recomeçado. Os personagens dos filmes são
prisioneiros de roteiros que não constrangem a nossa vida de verdade. Nós
podemos nos mudar para o Rio, pintar os cabelos de vermelho, escrever um blog
ou passear na chuva, com ou sem cachorro. Ao nosso redor, milhões de pessoas
partilham as mesmas calçadas e os mesmos desejos afeto, sexo, companheirismo. Tem aí material
suficiente para bilhões de relações humanas. Eles podem não ser tão perfeitos
quanto nos filmes. Podem não durar tanto e nem ter tantas estrelas no céu.
Talvez nem sejam amor. Mas elas existem e isso faz toda a diferença.
Nenhum comentário:
Postar um comentário