A cultura ocidental se baseia bastante na ideia evolutiva de
que hoje somos melhores que ontem e amanhã seremos melhores que hoje. Logo,
marcamos a semana de um jeito que soe progressiva e construímos narrativas
internas em termos da jornada do herói: vida comum, desafio, recusa, aceite,
luta final, vitória e retorno renovado para a vida comum.
Isso leva as pessoas a se perceberem subindo uma rampa
imaginária para uma condição mais sofisticada de si mesmas que o dia anterior.
E, mesmo sem esforços ou trabalho pessoal extra, acreditam-se arrastadas por
essa correnteza evolucionista.
Essa atribuição do tempo como curador de mágoas e
transformador de caráter é falha, ainda que muitos acreditem. A velhice
resumiria o ícone da vida plena.
Se isso é verdadeiro, porque vemos tantas pessoas idosas
mimadas, deprimidas, lamentando a vida e sem nenhuma alegria de viver?
Certamente, não é porque os filhos desaparecem ou a
aposentadoria é lamentável, mas provavelmente porque não criaram uma vida com
algum tipo de significado ou reuniram uma rede de pessoas queridas em sua
volta.
Os que fizeram isso, estão bem acompanhados e com trocados
no bolso. O tempo não opera milagres, visto que é apenas a sucessão de minutos,
e agora que já não estão protegidas pela jovialidade, deixam transbordar seu
descontentamento de décadas com o ônus de fraqueza e doenças.
Até que ponto alguém realmente se torna mais complexo,
maduro, responsável, livre e lúcido por pura inércia?Essa lei da física parece
que tem dominado o imaginário coletivo, mas é bom lembrar que isso é uma teoria
científica aplicada à corpos físicos e não à psicologia humana.A ideia da mente
evolucionista parece acontecer em várias áreas da vida de relacionamentos
amorosos, trabalho e traços de personalidade.
A linearidade crescente costuma ser a única forma de
narrativa conhecida, logo o fim do ano sempre anuncia que o próximo ano será
melhor que o anterior. Esse é um raciocínio automático e pouco plausível.Os
otimistas parecem tomar um fôlego psicológico a fim de renovar suas esperanças
calcadas em elementos externos favoráveis torcendo por uma correnteza que
progride inevitavelmente.
O próprio ato da promessa de ano novo reflete o anúncio do
seu fracasso, já que atesta o automatismo habitual e paralisante de condicionar
mudanças à coisas, pessoas e eventos. Promessa boa é promessa cumprida agora.Não
caia na armadilha de comprometer seu “eu futuro” a fazer uma coisa que vê
propósito, mas não põe empenho. Talvez você tenha cedido aos seus mimos e
distrações ao longo do ano e agora aquilo que imaginou no final de 2012 não
corresponde ao seu “eu atual” do final de 2013. O problema é o mimo e não o
começo de ano.
É inspiradora a cena do Forrest Gump em que ele começou a
correr sem razão nenhuma e fez quase uma ultramaratona sem fim pelos EUA e sem
motivo novamente parou
A mudança nem sempre precisa ser pensada ou racionalizada,
pode ser um simples dobrar de esquina na direção contrária.
Para muitos, a probabilidade de falhar consigo aumenta toda
vez que se ancora em muita explicação, autoconsolo, carinho, apoio dos amigos e
pais. Pensar e planejar ajuda, mas se sua sabotagem se apoia em planos
intermináveis, o mais sensato seria pular para a ação e depois fazer o ajuste
fino. Talvez, essa seja a melhor forma de sabotar a autossabotagem.Esse
elemento mágico projetado no transcorrer do tempo é só mais truque para seguir
o ano arrastando correntes.
Por outro lado, acho válida a perspectiva cíclica que nos
lembra que o tempo passa e estamos nos encaminhando para a morte. Essa finitude
concreta, marcada pelo fim do ano poderia nos fazer arregalar os olhos para a
singularidade de cada minuto irrecuperável.Longe de um carpe diem de boteco que
se enterra num presente hedonista, todo dia do ano é um convite para uma
mudança que não precisa ser radical, se for inconsistente.
O ano novo realmente acontece a cada ato prático, insistente
e dedicado para substituir uma atitude problemática e colocar no lugar outra
que gere felicidade.
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