Gente perfeita não precisa dos outros. São tipos como você e
eu que necessitam das qualidades dos parceiros. Eles nos emprestam organização,
paciência e disciplina, em troca de humor, espontaneidade e imaginação. Eles
nos dão coragem quando somos covardes, nos acalmam se estamos em fúria e
elucidam, com a sua inteligência, tramas que nós seriamos incapazes de
enxergar. Eles não são melhores do que nós, mas são diferentes – e isso, boa
parte das vezes, é essencial.
Enfatizo isso porque
estamos sufocados pela ideia de perfeição. Para garantir a nossa posição no
relacionamento (e no mundo) temos de ser bonitos, inteligentes e bem-sucedidos.
Além de totalmente independentes, claro: estou com você porque eu quero, não
porque preciso, entendeu? Precisar do amor e da atenção do outro é feio.
Tenho um amigo que quebrou o braço direito. Nas primeiras semanas
depois da queda – e da cirurgia que se seguiu – ele virou um dependente físico.
Precisava da namorada para amarrar o seu sapato, ajudá-lo a tomar banho, vestir
a camiseta e cortar o bife. Vendo os dois naquela cena de enfermagem, num
almoço de domingo, me ocorreu que, sem ela, ele estaria frito. Iria se virar de
algum jeito, claro, mas sem a sensação gostosa de ser cuidado e querido, que
deve ter feito diferença enorme durante a chatice da recuperação.
Nós todos nascemos com algo quebrado dentro de nós. Essa
fratura primordial impede a auto-suficiência e exige a presença do outro. Uma
pessoa amada, querida ou apenas desejada mitiga a nossa dor original e provê,
com a sua presença, algumas sensações essenciais. Ela nos dá o prazer do
contato corporal, ela garante a segurança de não estarmos sós, ela oferece, com
seus olhares e seus gestos, a admiração e o carinho sem o qual a nossa
personalidade murcha.
Todos precisam de atenção, mas nem todos são capazes de
aceitá-la calmamente. Ao sentir-se dependente – isto é, ligado ao outro – muita
gente pira. Arruma razões fúteis para brigar, enlouquece de ciúme, sente-se
sufocar pela presença do outro. Ao final, dá um jeito de chutar o pau da
barraca e acabar com aquilo, para enlouquecer de dor logo em seguida. É um
paradoxo triste e comum. As pessoas sofrem sozinhas, mas não conseguem permitir
que alguém chegue tão perto a ponto de comovê-las - e ameaçá-las com a
possibilidade de uma dor ainda maior.
Isso tem a ver também com o espírito do tempo que vivemos.
As pessoas tornaram-se vigorosamente individualistas. As
virtudes do século XXI são aquelas do sujeito solitário e decidido que se impõe
a um mundo . Pense nos heróis da nossa época: Steve Jobs, Neymar e até a
presidente Dilma. Eles fazem tudo sozinhos, não fazem? O resto da empresa, do
time, do governo, existe apenas para executar sua vontade onisciente ou para
permitir que ele ou ela exerça o seu gênio autoritário.
Esse mito – da pessoa que não precisa de ninguém - é uma
falsidade que invadiu o nosso modo de pensar. E até a nossa intimidade. Agora,
todos seremos gênios solitários. Ou pelo menos burros independentes. Bonito é
não precisar emocionalmente de ninguém.
Acho isso tudo uma babaquice, claro. Nós precisamos dos
outros. Sempre. Do cara que nos vende o bilhete de metrô à mulher que nos
abraça no meio da noite, somos profundamente dependentes das pessoas que nos
cercam. Sem as ideias e os sentimentos alheios o nosso próprio mundo não avança
– e não há nada de errado em admitir isso.
Se for o caso, claro, a gente se aguenta sozinho. Todos já
passamos por isso e é bom saber que resistimos. Estar só, afinal, pode ser
inevitável - mas não precisamos fingir que é a melhor maneira de viver. Na
qualidade de pessoas imperfeitas e dependentes, florescemos na presença de
outros como nós, para quem a nossa presença também é essencial. Entender isso
ajuda a ter paciência com quem está ao lado. E a desfrutar melhor da sua presença.
A nossa humanidade requer o outro. Sejamos humildes. Sejamos modestos. Quanto
mais desarmados estivermos na presença do outro, melhor.
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