Ele entra na sala de aula e escreve o seu nome na lousa:
Prof. Dr. fulano de tal. Durante sua brilhante exposição – de acordo com a sua
própria opinião – um aluno, um tanto desatento às exigências hierárquicas e
ritualísticas, lança-lhe uma pergunta. O problema não está no questionamento. O
Prof. Dr. fulano de tal, do alto da sua sapiência naquilo que lhe dá o status
de “o” especialista, tem resposta para tudo (e se não tem, enrola, pois quem
ousará duvidar da sua autoridade?!). Não, a irritação que o Prof. Dr. fulano de
tal expressa em seu tom de voz é uma reação à impertinência do aluno. E ele, o
professor, deixa-o claro na resposta: “Aqui em sala de aula – e aponta para o
escrito na lousa – sou o Prof. Dr. fulano de tal. Pobre aluno que ousou
chamá-lo apenas de professor!
Max Weber observou que a vaidade pode levar o político a
cometer um dos pecados fatais em política, ou ambos, simultaneamente: se abster
de assumir uma causa e do sentimento de responsabilidade. Se o político está
sujeito à vaidade, o intelectual padece da mesma doença. “A vaidade é um traço
comum e, talvez, não haja pessoa alguma que dela esteja totalmente isenta. Nos
meios científicos e universitários, ela chega a constituir-se numa espécie de
moléstia profissional”, sentencia Weber
não obstante, o sociólogo alemão é condescendente com os colegas
acadêmicos, pois considera que a vaidade do intelectual não oferece tanto risco
à sua atividade quanto o que ocorre em relação ao político: “Contudo, quando se
manifesta no cientista, por mais antipatia que provoque, mostra-se
relativamente inofensiva, no sentido de que, via de regra, não lhe perturba a
atividade científica”. (WEBER, 1993: 107) Será?! Para o estudante ou o colega
que tem que suportar a vaidade desmedida, talvez seja o oposto que ocorra. Do
ponto de vista puramente empírico, os que nos oferecem mais riscos são os que
estão mais próximos!
Mas deixemos Weber em paz! Independentemente das suas
formulações sobre a vocação do cientista e do político, o fato é que esta
“espécie de moléstia profissional” grassa em nosso meio. E as pessoas sensatas
talvez se perguntem: por que? Há, inclusive, a espécie de ingênuo que
candidamente imagina que este tipo de comportamento é algo contraditório com o
espírito culto que, em tese, permeia a universidade. “Como é possível?, se
pergunta. Ele tem a esperança de que os colegas, através do diálogo e da
persuasão, superem as influências nefastas que os fazem agir incivilizadamente.
Como diria aquele personagem das histórias em quadrinhos: “Santa ingenuidade!!!”.
Todavia, observe-se que mesmo este tipo de ingênuo padece da
mesma “espécie de moléstia profissional”: na essência sua postura é prisioneira
de uma vaidade enrustida numa pretensa humildade; é uma atitude idealista, no
sentido de que desloca a universidade – e os que nela trabalham – da realidade
social na qual está inserida; é elitista porque, no fundo, se imagina como
partícipe de um mundo constituído por seres especiais, dotados de moral e
cultura superiores e capazes de escapar às futilidades humanas. Este personagem
não se reconhece no mundo real e se escandaliza porque seus pares não
representam o mundo imaginário do Olimpo. É vaidoso e talvez não o saiba porque
lhe parece natural a vaidade de sentir-se superior!
Se a vaidade é humana, não é possível compreendê-la apenas
pelo senso comum quanto às atitudes observáveis no campo acadêmico. A
sociologia pode contribuir para compreendermos este fenômeno E isso talvez seja
um bom começo para evitarmos repetir o que reprovamos nos outros. Mas, é claro,
a sociologia – ou as grandes teorias, em geral – não são antídotos para tal
moléstia. Um grande passo para quem deseje se curar é voltar-se para si mesmo
e... mudar de atitude. No mais é necessário muita, muita, muita paciência!
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