sexta-feira, 10 de abril de 2015

O PEQUENO DEFEITO


Ele entra na sala de aula e escreve o seu nome na lousa: Prof. Dr. fulano de tal. Durante sua brilhante exposição – de acordo com a sua própria opinião – um aluno, um tanto desatento às exigências hierárquicas e ritualísticas, lança-lhe uma pergunta. O problema não está no questionamento. O Prof. Dr. fulano de tal, do alto da sua sapiência naquilo que lhe dá o status de “o” especialista, tem resposta para tudo (e se não tem, enrola, pois quem ousará duvidar da sua autoridade?!). Não, a irritação que o Prof. Dr. fulano de tal expressa em seu tom de voz é uma reação à impertinência do aluno. E ele, o professor, deixa-o claro na resposta: “Aqui em sala de aula – e aponta para o escrito na lousa – sou o Prof. Dr. fulano de tal. Pobre aluno que ousou chamá-lo apenas de professor!

Max Weber observou que a vaidade pode levar o político a cometer um dos pecados fatais em política, ou ambos, simultaneamente: se abster de assumir uma causa e do sentimento de responsabilidade. Se o político está sujeito à vaidade, o intelectual padece da mesma doença. “A vaidade é um traço comum e, talvez, não haja pessoa alguma que dela esteja totalmente isenta. Nos meios científicos e universitários, ela chega a constituir-se numa espécie de moléstia profissional”, sentencia Weber  não obstante, o sociólogo alemão é condescendente com os colegas acadêmicos, pois considera que a vaidade do intelectual não oferece tanto risco à sua atividade quanto o que ocorre em relação ao político: “Contudo, quando se manifesta no cientista, por mais antipatia que provoque, mostra-se relativamente inofensiva, no sentido de que, via de regra, não lhe perturba a atividade científica”. (WEBER, 1993: 107) Será?! Para o estudante ou o colega que tem que suportar a vaidade desmedida, talvez seja o oposto que ocorra. Do ponto de vista puramente empírico, os que nos oferecem mais riscos são os que estão mais próximos!

Mas deixemos Weber em paz! Independentemente das suas formulações sobre a vocação do cientista e do político, o fato é que esta “espécie de moléstia profissional” grassa em nosso meio. E as pessoas sensatas talvez se perguntem: por que? Há, inclusive, a espécie de ingênuo que candidamente imagina que este tipo de comportamento é algo contraditório com o espírito culto que, em tese, permeia a universidade. “Como é possível?, se pergunta. Ele tem a esperança de que os colegas, através do diálogo e da persuasão, superem as influências nefastas que os fazem agir incivilizadamente. Como diria aquele personagem das histórias em quadrinhos: “Santa ingenuidade!!!”.

Todavia, observe-se que mesmo este tipo de ingênuo padece da mesma “espécie de moléstia profissional”: na essência sua postura é prisioneira de uma vaidade enrustida numa pretensa humildade; é uma atitude idealista, no sentido de que desloca a universidade – e os que nela trabalham – da realidade social na qual está inserida; é elitista porque, no fundo, se imagina como partícipe de um mundo constituído por seres especiais, dotados de moral e cultura superiores e capazes de escapar às futilidades humanas. Este personagem não se reconhece no mundo real e se escandaliza porque seus pares não representam o mundo imaginário do Olimpo. É vaidoso e talvez não o saiba porque lhe parece natural a vaidade de sentir-se superior!
Se a vaidade é humana, não é possível compreendê-la apenas pelo senso comum quanto às atitudes observáveis no campo acadêmico. A sociologia pode contribuir para compreendermos este fenômeno E isso talvez seja um bom começo para evitarmos repetir o que reprovamos nos outros. Mas, é claro, a sociologia – ou as grandes teorias, em geral – não são antídotos para tal moléstia. Um grande passo para quem deseje se curar é voltar-se para si mesmo e... mudar de atitude. No mais é necessário muita, muita, muita paciência!


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