terça-feira, 23 de outubro de 2012

PENSAMENTOS E SENTIMENTOS

As pessoas têm manias, têm temperamento, têm hábitos que nos incomodam. Elas reclamam de tudo, pateticamente. Elas se enfurecem com tudo, histericamente. Elas têm problemas, opiniões, desejos, amigos. Elas são lindas e nos causam ciúme. Elas são controladoras e nos irritam. Elas podem ser frívolas e indiferentes. Frequentemente mergulham nelas mesmas e nos deixam entregues às apreensões e receios. Às vezes queremos que sumam, morram, pelo-amor-de-deus desapareçam. No outro dia acordamos sem elas e o coração perde duas batidas, de medo.

Na verdade, sofremos de sentimentos demais. Eles transbordam, excedem, afogam. Seria infinitamente mais simples se fôssemos como os outros. Veja os casais  anonimos, os professores  ou trabalhadores estudantes e suas namoradas. Obviamente felizes, simples, calmos.
 Gente bem resolvida. É impossível que elas chorem de noite por temer que ele ou ela não a ame. Evidentemente eles não se isolam diante da televisão e tenta aplacar os nervos vendo um filme inútil. Eles certamente nunca se metem em discussões dolorosas. Sabem o que fazer deles mesmos e do seu amor. Eles têm as respostas. As criaturas esquisitas somos eu, você e os nossos parceiros. Eles, os outros, são simples e felizes. Gente bem resolvida.

Os sentimentos são o nosso principal problema, claramente. Estamos encharcados deles. Sentimentos de toda espécie, misturados. Você olha para aquela pessoa que abriu a porta e eles afloram, conturbados. Quanta aflição não esconde um abraço? A gente então conversa, e a confusão reflui. A gente espanta o assombro com a nossa voz e o nosso riso. A trivialidade nos resgata como um bote salva vidas. Nos olhos da mulher que a gente ama há uma praia tranquila onde a gente ancora – até que o mar no interior dela se agite e a paz efêmera se perca. De novo.
Gostaríamos que não fosse assim, claro. Preferiríamos ser gente simples, composta, direta. Em vez de todas as memórias dolorosas que trazemos conosco, paz. Em vez da confusão de planos e aspirações, clareza. Nada de turbulência submersa, nenhuma recordação inconfessável, apenas superfície indevassável e tranquila, como um lago.

Imagine deslizar a mão pelo corpo macio dela sem que a cabeça esteja tomada por ideias conflitantes. Que genial fazer amor sem que nele se projete, num rosnado, o velho arsenal de ressentimentos que parece ter nascido conosco. O sexo então seria puro, biológico, em vez de uma batalha épica entre o bem e o mal, entre o público e o privado, entre o certo e o errado que nos habitam. E, depois do prazer, enrolar-se cheio de ternura e de angústia agridoce naquela criatura que ofega. Sentir-se pai, filho, irmão, apaixonado, opressor-filho-da-puta, canalha, marido. O que mais?
Sejamos francos: nosso problema não é sexo, é amor. Encontrá-lo, conquistá-lo, torná-lo parte da nossa vida e, ao final, talvez, detestá-lo. Nosso problema é preservar esse amor em meio à tempestade de trovões dos nossos sentimentos. Cuidar para que o fascínio físico dos primeiros dias não se perca, evitar que a confiança que vem depois não nos cegue de tédio. Nossa tarefa, gigantesca, é fazer com prazer – e com o mínimo de sanidade – as coisas que se fazem antes e depois do sexo. A pessoa que fica ao nosso lado nesse intervalo é nosso maior problema, e talvez a única solução.

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