Ontem, debaixo do chuveiro – cheio de culpa por ainda tomar
banho em plena crise d'água – tentei listar as coisas que gostaria de ter em
2015. Mais água, seguramentEnquanto me ensaboava com a água fechada, me ocorreu
que seria bom ser mais desapegado do que sou. De tudo: coisas, pessoas e
situações. Gente apegada sofre muito. Cada vez que ocorre uma ruptura, o mundo
vem abaixo. Cada vez que uma perda acontece, morremos. Que tal mudar isso no
Ano Novo?
Já sei o que alguns dirão: não se muda isso de uma hora para
outra. Um traço de personalidade desses nasce conosco, ou se desenvolve muito
cedo. É, de qualquer forma, algo profundo, arraigado. Provavelmente, os
apegados já choravam quando a mãe, exausta, os tirava do peito. Desde então têm
trauma de separação. Ainda que o apego seja inato, quase biológico, pode ser
mexido. Da mesma forma que somos a única espécie do planeta capaz de lembrar
suas dores, somos também dotados do impulso irremovível da esperança. Onde há
gente, pode haver mudança. Ou, pelo menos, aspiração.
Os desapegados parecem mais felizes. O sentimento acabou?
Eles sofrem pelo tempo regulamentar – de 15 minutos a duas semanas –, depois
retomam a rotina. Sem traumas. Em vez de, como os apegados, morar numa montanha
russa em que a vida oscila entre altos e baixos terríveis, eles vivem em
práticos fletes emocionais. Requisitam serviços afetivos e sexuais quando
precisam, não dividem o espaço com ninguém, e tudo está sempre arrumado, no
mesmo lugar, sem confusão e sem mistura. Não gostaria de morar num lugar
emocional como esse, me pareceria asséptico e impessoal. Mas quem vive assim
parece estar bem. Ou engana.
ndependência e estabilidade afetiva parecem o ponto forte da
vida desapegada. No centro dela, está um indivíduo autônomo e auto-suficiente,
que depende pouco – ou quase nada – do afeto alheio. Ele tem, como todos na
vida, redes sociais que provêm proteção e carinho. No centro delas, não há
alguém especial de quem eles dependem para garantir a paz do dia e o calor da
noite. No centro da vida deles, estão eles mesmos, como indivíduos – um
conceito óbvio, ainda assim estranho a quem depende da presença de um outro
para ser feliz.
Como se forma gente de um tipo ou de outro? São as
experiências que nos tornam menos permeáveis ao envolvimento? Ou quem adora se
vincular já nasceu assim? Somos o resultado de uma mistura indecifrável, mas
certamente não existe hierarquia naquilo que somos. Não há melhores e piores.
Há um bocado de caráter na atitude de quem decide lidar com o mundo sozinho,
assim como há enorme coragem nos atos de quem arrisca sua integridade emocional
num relacionamento com estranhos – e todo ser humano é um estranho, mesmo
depois de anos de convívio e de intimidade.
O ano que começa daqui a pouco, dizem, será mais difícil na
vida pública. Em muitas vidas privadas, por diferentes razões, tampouco se
anuncia mais fácil. Há que enfrentá-lo com aquela mistura de esperança e
resignação que nos define como espécie desde os primórdios. A gente erra, sofre
e faz de novo, um pouquinho melhor. Ou sofre, fundamentalmente, sem ter errado.
Levanta-se assim mesmo – e avança. É disto que nos lembra o Ano Novo: a
metáfora do recomeço. É nossa chance de pôr as coisas no lugar. Talvez, até de
melhorá-las um pouquinho. De melhorar a nós mesmos. De começar de novo, com um
pouco mais de desapego.
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