sábado, 27 de dezembro de 2014

2015


Ontem, debaixo do chuveiro – cheio de culpa por ainda tomar banho em plena crise d'água – tentei listar as coisas que gostaria de ter em 2015. Mais água, seguramentEnquanto me ensaboava com a água fechada, me ocorreu que seria bom ser mais desapegado do que sou. De tudo: coisas, pessoas e situações. Gente apegada sofre muito. Cada vez que ocorre uma ruptura, o mundo vem abaixo. Cada vez que uma perda acontece, morremos. Que tal mudar isso no Ano Novo?
Já sei o que alguns dirão: não se muda isso de uma hora para outra. Um traço de personalidade desses nasce conosco, ou se desenvolve muito cedo. É, de qualquer forma, algo profundo, arraigado. Provavelmente, os apegados já choravam quando a mãe, exausta, os tirava do peito. Desde então têm trauma de separação. Ainda que o apego seja inato, quase biológico, pode ser mexido. Da mesma forma que somos a única espécie do planeta capaz de lembrar suas dores, somos também dotados do impulso irremovível da esperança. Onde há gente, pode haver mudança. Ou, pelo menos, aspiração.
Os desapegados parecem mais felizes. O sentimento acabou? Eles sofrem pelo tempo regulamentar – de 15 minutos a duas semanas –, depois retomam a rotina. Sem traumas. Em vez de, como os apegados, morar numa montanha russa em que a vida oscila entre altos e baixos terríveis, eles vivem em práticos fletes emocionais. Requisitam serviços afetivos e sexuais quando precisam, não dividem o espaço com ninguém, e tudo está sempre arrumado, no mesmo lugar, sem confusão e sem mistura. Não gostaria de morar num lugar emocional como esse, me pareceria asséptico e impessoal. Mas quem vive assim parece estar bem. Ou engana.
ndependência e estabilidade afetiva parecem o ponto forte da vida desapegada. No centro dela, está um indivíduo autônomo e auto-suficiente, que depende pouco – ou quase nada – do afeto alheio. Ele tem, como todos na vida, redes sociais que provêm proteção e carinho. No centro delas, não há alguém especial de quem eles dependem para garantir a paz do dia e o calor da noite. No centro da vida deles, estão eles mesmos, como indivíduos – um conceito óbvio, ainda assim estranho a quem depende da presença de um outro para ser feliz.
Como se forma gente de um tipo ou de outro? São as experiências que nos tornam menos permeáveis ao envolvimento? Ou quem adora se vincular já nasceu assim? Somos o resultado de uma mistura indecifrável, mas certamente não existe hierarquia naquilo que somos. Não há melhores e piores. Há um bocado de caráter na atitude de quem decide lidar com o mundo sozinho, assim como há enorme coragem nos atos de quem arrisca sua integridade emocional num relacionamento com estranhos – e todo ser humano é um estranho, mesmo depois de anos de convívio e de intimidade.

O ano que começa daqui a pouco, dizem, será mais difícil na vida pública. Em muitas vidas privadas, por diferentes razões, tampouco se anuncia mais fácil. Há que enfrentá-lo com aquela mistura de esperança e resignação que nos define como espécie desde os primórdios. A gente erra, sofre e faz de novo, um pouquinho melhor. Ou sofre, fundamentalmente, sem ter errado. Levanta-se assim mesmo – e avança. É disto que nos lembra o Ano Novo: a metáfora do recomeço. É nossa chance de pôr as coisas no lugar. Talvez, até de melhorá-las um pouquinho. De melhorar a nós mesmos. De começar de novo, com um pouco mais de desapego.

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