Muita gente gosta de afirmar, em voz alta, que faria
“qualquer coisa” por amor. Vocês já devem ter ouvido isso. Talvez até tenham
dito a frase novelesca. Faz parte da nossa cultura.Isso não quer dizer que o
amor não faça exigências terríveis. Eu mesmo já fiz cafunés de madrugada, cocei
costas e apliquei massagens nos pés até ficar com as mãos exaustas. Por amor.
Já lavei pias repletas de louça, fiz comidas sofríveis, fui ao mercado no
domingo, tirei dinheiro do banco às sete da manhã e levei o lixo para fora
vezes sem conta. Por amor. Já viajei ao exterior, dirigi até a praia, dancei
até de madrugada e cantei até ficar rouco. Por amor. Alguns dirão que me faço
de vítima. A verdade é que, por amor, já tomei vinhos excelentes, já comi em
restaurantes caros, já assisti a espetáculos inesquecíveis e já comprei
presentes que, só de lembrar, me enchem de alegria – e de uma vaga melancolia
financeira.
Se alguém disser que isso tudo é pouco, talvez tenha a
cabeça tomada por grandezas. Ou ache, que amar é coisa de matar ou morrer,
verdadeira luta com facas. O grande
amor, ao contrário, é feito de miudezas. São gestos cotidianos, olhares
cúmplices, uma mão que passa pela nuca e toca os cabelos enquanto a mulher que
você ama conversa com outra pessoa. Amor também é feito de desejo, e a cada
tanto exige a reafirmação de uma suave encostada - na pia, enquanto ela coa o
café – e da barriga que toca o calor da outra barriga.
Há também a conversa que atravessa os dias e dá sentido aos
fatos da existência. E a lealdade, que permite contar com o outro nas horas
sombrias. Ela impede que a gente se sinta sozinho num mundo de multidões
solitárias. Não se pode esquecer a sacanagem, claro, sem a qual o amor morre de
tédio. E o riso, em cuja ausência a morte se aproxima. No amor, se dizem as
palavras mais doces, se dão os abraços mais ternos, se enxugam as lágrimas mais
tristes, se grita, se geme. Nele, a gente se comove como o diabo. Em nada disso
há heroísmo. Apenas a vida, em seus milagres comuns.
A única real grandeza do amor está em sua imensa vocação de
fazer o outro feliz. Um dia depois do outro. Isso exige atenção, desvelo mesmo,
e coisas como imaginação, tirocínio, esforço. Às vezes até sacrifício. O outro
é tão complexo – tão desgraçadamente parecido conosco – que, às vezes, não sabe
o que deseja e o que precisa. Conta conosco para iluminá-lo. Há que estar lá,
portanto. Há que tentar entender com o coração e com as mãos, que apertam,
seguram, amparam e acariciam.
Se me perguntam o que eu faria por amor – já me perguntaram,
de outras formas –, eu responderia, como os portugueses, imenso. Cada vez mais,
na verdade. Com calma e determinação, juntos, sem grandiloquência. Assim se
lida com as coisas essenciais da vida. O amor, entre todas elas.
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