Qual a diferença entre raspar rosto ou cabeça – algo que
todo mundo faz – e raspar peito, pernas e sobrancelhas – algo que menos homens
se atrevem a fazer? Diferença nenhuma. É só questão de convenção. Se um monte
de sujeitos influentes começar a aparecer em público com as sobrancelhas
desenhadas e o peito escanhoado, essa forma de apresentação passará a ser vista
como aceitável. Tem sido assim com tudo que nos cerca. Já houve um tempo em que
tomar banho, raspar a barba, cortar o cabelo e até usar calças era visto como
coisa de gente extravagante. Esse tempo passou.
Vivemos há decádas a era do "pode tudo", e os
estigmas ficam para trás. A discussão em torno da depilação masculina não é
mais sobre sexualidade. Gays e heteros depilam o peito, cuidam das
sobrancelhas, vão à manicure. Todos fazem plásticas. Há vaidosos de todas as
orientações sexuais. Os gays lançam roupas, cortes de cabelo e cuidados com o
corpo, que os heterossexuais usarão depois. Eles abrem espaço. É por isso que
os homens hoje usam os cremes das suas mulheres espalhados sobre a pia do
banheiro. Agora pode.
Cristiano Ronaldo, o jogador de futebol português que todos
conhecem, não é menos heterossexual por causa das sobrancelhas de odalisca ou
das pernas lisas. O problema dele é parecer um narcisista de tempo integral,
alguém 100% do tempo preocupado com a aparência. Essa é a grande questão em
torno dos cuidados estéticos masculinos. As mulheres querem ter em casa um
parceiro cuja prioridade número 1 é parecer perfeito no espelho? Os homens
querem ser esse tipo de obcecado?
Mulheres acham todos os dias que estão gordas, velhas,
feias, moles... e lá está o gordo, sentado no sofá, cerveja na mão, para
assegurá-la de que continua linda e gostosa. Essa atitude, falsa e condenável
aos olhos dos fisicamente corretos, é na verdade necessária. Alguém precisa
estar fora do círculo infernal de angústia e perversão em relação ao peso e às
medidas. Alguém na relação precisa sugerir que a perfeição não existe. Alguém
tem de lembrar que o fim da juventude é inevitável – e ajudar a parceira a
recebê-lo com ironia saudável, não com pânico. Ou seria melhor que houvesse na
casa dois histéricos com o peso, as rugas e os pelos?
Neste mundo, a velha cultura masculina oferece um porto
seguro. Ela criou, para conforto dos
homens, mitos que permitem viver melhor. O coroa charmoso é um deles; ajuda a
envelhecer sem tanta angústia. O gordinho falador que pega todas é outro; uma
lenda urbana a serviços dos rapazes acima do peso. Há também o careca másculo,
o magro elegante, o feio cheiroso, o grandalhão simpático. As lendas existem
porque são necessárias – e porque as mulheres confirmam sua existência a cada
minuto, com sua imensa e bem-vinda generosidade sexual. Não apenas elas. Pense
nos casais gays que você conhece. São todos malhados e fortões? Gente
apaixonada fica na cama até mais tarde, bebe muito vinho e quase sempre
engorda. De felicidade.
Para melhorar o mundo e para permitir o convívio harmonioso
dos casais. Em vez de os homens adotarem a neurose das mulheres com o
corpo,façamos o contrário. Todo mundo relaxa, todo mundo abre um livro e todos
se servem de outra taça de vinho. Dentro de vinte anos, estaremos um pouco mais
gordos e mais acabados do que estaríamos. Mas a verdade é que isso acontecerá
de qualquer jeito. Não adianta depilar o peito.
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