sexta-feira, 1 de maio de 2015

TANGO ARGENTINO



Outro dia tive insônia, abri a janela às duas da manhã e dei de cara com uma mulher adulta pulando diante da TV, na casa da frente. Parecia interagir com um videogame. Ela fazia movimentos coreografados, iluminada pela luz da tela. O espetáculo durou meia hora. Depois, ela apagou a luz e foi dormir, imagino. Eu, que me preparava para ler um livro, senti que era um ser humano superior. Serei? Suspeito que não. A insônia dela parecia mais divertida que a minha. Certamente era mais animada que a insônia dos marmanjos que entorpecem neurônios e ganham barriga vendo TV de madrugada ou ouvindo tango argentino.
Diante desse quadro melancólico, recomendo tolerância com os homens porque eles se apaixonam instantaneamente por gente que acabam de conhecer. Confundem simpatia com reciprocidade. Não notam sinais de que as pessoas são casadas ou indisponíveis. No afã de encher o vazio interior, podem encher o saco dos outros e tornar-se patéticos.
Neste universo dominado pelo tempo e pelas circunstâncias que ele cria, os gestos são fundamentais. Gestos claro de aproximação e de afastamento. Eles constroem a sorte. Fazem com que as janelas se transformem em oportunidades concretas. Permitem que o amor deixe de ser uma possibilidade latejante no futuro para se tornar algo presente. Não sabemos quando o destino vai nos abrir uma janela, mas nos cabe decidir, agora, o que fazer diante dela.

O amor, como tantas outras coisas, depende de oportunidades. A pessoa que hoje vira do avesso a minha vida, em outro momento poderia ter passado sem ser notada. Bastaria que houvesse alguém ocupando meus sentimentos. Ou satisfatoriamente a minha cama. Eu estaria indisponível aos apelos do amor.

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