segunda-feira, 13 de junho de 2016

SARTRE

Há coisas que eu deveria resolver, fazer, falar, ligar, mas simplesmente não dou conta. Espero por algo que não sei o que é. Parece que os sentimentos íntimos se tornaram reféns do que acontece em Brasília, em Curitiba, ou nas manchetes do jornal. A prioridade voltou-se para fora, abafando as questões de dentro. Enquanto isso, a ansiedade cresce em toda parte, entre todas as pessoas informadas, contaminando de tensão as conversas e invadindo os silêncios.
Numa peça famosa, escrita em meados dos anos 1940, o filósofo Jean-Paul Sartre aprisiona três personagens num espaço restrito (que poderia muito bem ser um elevador) e faz com que exponham seus medos e desejos, sem possibilidade de evasão. Um dos personagens resume a situação intolerável numa frase que entrou para o vocabulário universal: “O inferno é o outro”.
já discuti de forma exaltada com mais de um amigo. Outro dia, me peguei erguendo a voz ao telefone com a minha irmã. Uma estupidez. Agora, respiro fundo várias vezes ao dia para não deletar nas redes sociais pessoas que postam coisas opostas ao que eu penso. É duro conviver com o contrário quando as opiniões se radicalizam, mas talvez seja imprescindível. perdoem a mesquinhez – com a deterioração da vida social no elevador aconteceu o seguinte dialogo
 Agora vamos ganhar e tirar esse pessoal do governo, né?
todos concordaram alguém falou
- Bom, por mim eles continuam.
- ... (silêncio perplexo e indignado até a garagem).

Entre o quinto andar e o térreo, discute-se a vitória do flamengo ou a onda de frio, não pontos de vista contrários sobre o futuro do Brasil.
Na verdade – Sartre que me desculpe – o inferno é o elevador. Do outro a gente se livra desviando os olhos, andando rápido ou se fingindo de surdo, mas o elevador não nos permite nada disso. Ele pode nos colocar cara a cara com um rapaz petista de 1,90, praticante de jiu-jitsu, que está convencido de que o impeachment da presidente Dilma significa o fim  do Brasil. Como defender o contrário, de forma fisicamente segura, num espaço tão exíguo?
Estou brincando, claro. A ameaça de violência ainda não faz parte da realidade do dia dia das pessoas que convivo. Somos essencialmente civilizados, exceto pelos sociopatas habituais.

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