domingo, 26 de junho de 2016

DIREITO NATURAL

Vistos de perto, somos uma gente descuidada e bruta no trato íntimo. Há pessoas preocupadas com os sentimentos dos outros, mas são minoria. No atacado, oferecemos um show coletivo de descaso e grosserias. A regra principal, que parece única, é assim: se eu estiver interessado, apaixonado ou com tesão, corro atrás e me desvelo. Se não estiver, ou se não estiver mais, azar. O outro será ignorado ou destratado.
Não estou fazendo uma queixa, embora pudesse. É mais uma autocrítica, inspirada pelas conversas com gente que vive fora do Brasil ou se relaciona com estrangeiros. As histórias que me contam fazem notar que temos por aqui pouca atenção e pouco respeito pelo outro – mesmo por pessoas que dividem seu corpo, seu tempo e seus sentimentos conosco. Achamos que a atenção e o carinho que recebemos são uma espécie de direito natural. Logo, não precisam ser retribuídos. Isso torna as delicadezas supérfluas.
Uma amiga que mora na Holanda foi transar com um cara de uns 40 anos – depois de saírem duas vezes – e, quando a noite se aproximava do desfecho, ele perguntou, delicadamente, se estaria bem para ela que fosse apenas sexo casual. Ele vinha de um relacionamento, ainda estava ligado a outra mulher e, embora muito atraído pela minha amiga, não queria magoá-la ou criar expectativas falsas. Um fofo, me disse ela. Transaram.
A parte cômica da história é que ela mesma não tinha vontade alguma de namorar, mas nem lhe passou pela cabeça dar o mesmo aviso. Na mentalidade brasileira, é cada um por si. A gente não diz coisas que possam atrapalhar nossos planos imediatos. Pegamos o que precisamos e o outro que se vire com os sentimentos dele. Se o holandês de minha amiga estivesse apaixonado e cheio de boas intenções, azar dele. Descobriria no dia seguinte que ela tinha outros planos.
Acho que isso revela um traço da cultura do país. Somos movidos por sentimentos, não por valores. Se eu gosto de alguém, se estiver apaixonado, faço por ele ou por ela o que estrangeiros não fariam. Sempre como um ato emocional. Mas, se os sentimentos não se manifestam, achamos não ter obrigação alguma para com o outro. Seja amante, vizinho ou transeunte. Nossa famosa cordialidade é interessada, interesseira. Aparece quando queremos algo do outro. Sexo ou amor, frequentemente.

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