É difícil sair da cama nas manhãs de julho. Do lado de fora
do edredom há um mundo gelado e hostil. Do lado de dentro, calor e aconchego.
Em outras épocas do ano isso talvez não fique tão claro, mas, no inverno, estar
sozinho é uma forma diária e refinada de castigo. E a companhia do outro, que
às vezes pode parecer supérflua, revela-se como coisa física e essencial. Em
julho e agosto, calor humano é mais que uma metáfora.
Tenho a impressão, às vezes, que a nossa vida é composta de
essencialidades subestimadas. O calor do corpo humano no inverno é uma delas. O
prazer da companhia do outro quando se chega em casa, é outra. Sentar no sofá e
ver televisão quase em silêncio, falando sobre as miudezas do dia. Ir mais cedo
para a cama pelo prazer de estar lá, lendo ou namorando. Saltar da cama com
pressa, para aproveitar, a dois, uma manhã ensolarada. Dormir até mais tarde,
sem urgência alguma, para desfrutar um sábado friorento.
A gente não aproveita o suficiente essas coisas, eu acho. Um
tempo enorme do nosso convívio é gasto ralhando com o outro sobre que ele ou
ela fez de errado, ou se queixando do que o mundo lá fora fez com cada um de
nós. Outra parte imensa do nosso tempo é perdida em tristezas sem razão, em
suspeitas sem fundamento, em angústias de origem desconhecida, em culpas que
nos perseguem como assombrações sem solução. A gente não gasta tempo suficiente
com o corpo do outro, com o coração doce do outro, com a mente inquieta e
criativa do outro. A gente não aproveita o outro como poderia, eu acho.
Talvez haja armadilhas na nossa natureza humana que
atrapalham na hora de ser feliz. Uma delas é o hábito, associado ao desprezo
pelos detalhes. O que está lá todo dia deixa de nos fazer feliz. Pequenas
coisas que fazem a diferença na nossa vida também podem passar sem ser notadas.
Algo dentro de nós clama por grandeza e novidade, de preferência todos os dias.
Como se fosse possível, ou mesmo desejável, viver uma aventura a cada 24 horas,
reinventar a vida a cada volta do relógio. Mas é isso que uma parte de nós
reclama – ela quer novidades, confusão, heroísmo e lágrimas. Exige movimento e
agitação como sinônimo de vida. O cotidiano suave e amoroso é percebido como a
chatice a ser combatida.
Às vezes eu acho que isso é um problema neurológico. Ele
impede centenas de milhões de pessoas de ficarem em paz com as coisas legais
que estão ao redor delas. Em lugar do gozo, o problema neurológico instala
dentro de nós os mecanismos da inquietação e da queixa. Em lugar da satisfação,
a angústia. Evidentemente isso não acontece com todo mundo, mas quanta gente
assim você conhece? Quanto de você mesmo não é assim?
Talvez seja uma coisa evolutiva. Vai ver que a felicidade –
ou qualquer estado de contentamento e acomodação – é negativa no longo prazo.
Vai ver que nós, humanos, precisamos estar ansiosos o tempo inteiro para nos
mantermos vigilantes, atentos contra os riscos. Sempre em movimento, sempre
famintos. Como está na moda explicar tudo com base na evolução da espécie, fica
aqui a minha modesta contribuição para o darwinismo social: haveria um gene da
infelicidade que zela pela sobrevivência de longo prazo da nossa espécie?
Na verdade, acho os determinismos biológicos bobagem. Tenho
a impressão de que nós, coletivamente, escolhemos como queremos viver. É
cultural. Nas últimas décadas, muitos de nós preferimos a inquietação em
oposição à quietude. Nós escolhemos viver como bichos insatisfeitos em vez de
viver como bichos felizes. Não nos educamos para apreciar as felicidades
tranquilas da vida cotidiana. Talvez porque elas nos assustem. Talvez porque
uma vida serena e repetida nos lembre estagnação e morte. Talvez porque os
nossos valores sejam o do grande romance ocidental, em que sexo, romance e
aventura culminam em uma morte dramática e prematura, como em Romeu e Julieta.
Qualquer que seja a razão, não nos preparamos para apreciar
os prazeres cotidianos. Estamos sempre olhando para fora de um jeito sonhador,
ou para dentro de uma forma exageradamente crítica. Assim cultivamos a
insatisfação e a infelicidade. Assim perdemos os melhores momentos da vida dos
outros, e da nossa.
Por isso eu gosto tanto da parte de dentro do edredom nas
noites de inverno. Ela confere uma dimensão material e concreta aos nossos
compromissos. Ela traduz, de forma gostosa e protetora, as nossas opções
afetivas. Mostra que somos capazes de escolher, partilhar e proteger. Que
sabemos apreciar o prazer e o conforto do nosso convívio. Ela é uma metáfora
quentinha de uma parte importante e subestimada de nós – aquela que precisa do
outro, que gosta do outro, que tem prazer na presença e no convívio com o
outro. Aquela parte de nós que prefere ser feliz a reclamar.
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