Quando aprendi a dirigir aos 30 anos tudo se transformou.
De repente, ganhei mobilidade e autonomia. A cidade, minha cidade, mudou de
tamanho e de fisionomia. Descer a morada da colina para Avenida Amaral Peixoto num táxi, a pé ou de ônibus, de madrugada era diferente e pior do que descer a mesma com as mãos ao volante ouvindo"rock and roll" no rádio.
Pegar a estrada com a namorada revelou-se
uma delícia insuspeitada. Talvez porque eu tenha começado tarde, guiar me parece, ainda hoje, uma experiência incomum. É um ato que, mesmo repetido de forma
diária, nunca se banalizou inteiramente.
Na véspera do Ano Novo, na piscina de minha cunhada, eu fiz
outra descoberta temporã. Depois de décadas de tentativas inúteis e frustrantes, num
final de tarde ensolarado eu conquistei o dom da flutuação. Nas águas cálidas e
translúcidas daquela piscina, sob o olhar risonho da minha mulher, finalmente
consegui boiar.
Não riam, por favor. Vocês que fazem isso desde os oito
anos. Vocês que já enjoaram da ausência de peso e esforço. Vocês que não mais
se surpreendem com a sensação de balançar ao ritmo da água – sinto dizer, mas
vocês se esqueceram de como tudo isso é bom.
Nadar é uma forma de sobrepujar a água e impor-se a ela.
Boiar é fazer parte dela – assim como do sol e das montanhas ao redor, dos sons
que chegam filtrados ao ouvido submerso, do vento que ergue a onda e lança água
em nosso rosto. Boiar é ser feliz sem fazer força, e isso, curiosamente, não é
fácil.
Essa experiência me sugeriu algumas considerações sobre a
vida em geral. Uma delas, óbvia, é que a gente nunca para de aprender ou de
avançar. Intelectualmente e emocionalmente, de um jeito prático ou subjetivo,
estamos sempre incorporando novidades que nos transformam. Somos geneticamente
elaborados para lidar com o novo, mas não só. Também somos profundamente
modificados por ele. A cada momento da vida, quando achamos que tudo já
aconteceu, novas capacidades irrompem e fazem de nós uma pessoa diferente do
que éramos. Uma pessoa capaz de boiar é diferente daquelas que afundam como
pedras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário