domingo, 12 de janeiro de 2014

NADAR, DIRIGIR E BOIAR


Quando aprendi a dirigir aos 30 anos tudo se transformou. De repente, ganhei mobilidade e autonomia. A cidade, minha cidade, mudou de tamanho e de fisionomia. Descer a morada  da colina para Avenida Amaral Peixoto  num táxi, a pé ou de ônibus, de madrugada era diferente e pior do que descer a mesma com as mãos ao volante ouvindo"rock and roll" no rádio. 
Pegar a estrada com a namorada revelou-se uma delícia insuspeitada. Talvez porque eu tenha começado tarde, guiar me parece, ainda hoje, uma experiência incomum. É um ato que, mesmo repetido de forma diária, nunca se banalizou inteiramente.
Na véspera do Ano Novo, na piscina de minha cunhada, eu fiz outra descoberta temporã. Depois de décadas de tentativas inúteis e frustrantes, num final de tarde ensolarado eu conquistei o dom da flutuação. Nas águas cálidas e translúcidas daquela piscina, sob o olhar risonho da minha mulher, finalmente consegui boiar.
Não riam, por favor. Vocês que fazem isso desde os oito anos. Vocês que já enjoaram da ausência de peso e esforço. Vocês que não mais se surpreendem com a sensação de balançar ao ritmo da água – sinto dizer, mas vocês se esqueceram de como tudo isso é bom.
Nadar é uma forma de sobrepujar a água e impor-se a ela. Boiar é fazer parte dela – assim como do sol e das montanhas ao redor, dos sons que chegam filtrados ao ouvido submerso, do vento que ergue a onda e lança água em nosso rosto. Boiar é ser feliz sem fazer força, e isso, curiosamente, não é fácil.
Essa experiência me sugeriu algumas considerações sobre a vida em geral. Uma delas, óbvia, é que a gente nunca para de aprender ou de avançar. Intelectualmente e emocionalmente, de um jeito prático ou subjetivo, estamos sempre incorporando novidades que nos transformam. Somos geneticamente elaborados para lidar com o novo, mas não só. Também somos profundamente modificados por ele. A cada momento da vida, quando achamos que tudo já aconteceu, novas capacidades irrompem e fazem de nós uma pessoa diferente do que éramos. Uma pessoa capaz de boiar é diferente daquelas que afundam como pedras.

 Eu me redescobri na piscina, é que tudo se aprende, mesmo as coisas simples que pareciam impossíveis. Também para os relacionamentos. Se a gente não congela ou enferruja – e tem gente que já está assim aos 30 anos – nosso repertório íntimo tende a se ampliar, a cada ano que passa e a cada nova relação. Penso em aprender a escutar e a falar, em olhar o outro, em tocar o corpo do outro com propriedade e deixar-me tocar sem susto. Penso em conter a minha própria frustração e a minha fúria, em permitir que o parceiro floresça, em dar atenção aos detalhes dele. Penso, sobretudo em conquistar aos poucos a ansiedade e insegurança que nos bloqueiam o caminho do prazer, não apenas no sentido sexual. Penso em estar mais tranquilo na companhia do outro e de mim mesmo, no mundo.






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