Observo o acento agudo dos professores e a preocupação em ter ética e moral e acima de tudo direitos humanos e a resistência de alguns alunos que insiste em pregar o fazer justiça pelas proprias mãos...ainda bem que isso se observa nos mais velhos da sala não nos garotos,mas ai me veio a mente uma lembrança:
No interior do ônibus os passageiros observavam o grupo no
ponto de ônibus, terminal da da vila em volta redonda.
Eram três pés descalços, shorts, camisetas de malha, cabelos
por cortar e a pele morena, umedecida pela persistente garoa que caía naquele
fim de tarde.
Um comia um espetinho de carne, outro pedia dinheiro aos
passageiros e um terceiro estava absorto, percorrendo com o olhar a estante de
livros do projeto Ponto Literário.
Deu uma pausa em sua procura, olhou furtivamente para os
lados e, timidamente, estendeu a mão e ousou pegar uma obra. Folheou-a.
Depois arriscou pegar outra, não sem outra olhada desconfiada.
Repetiu a operação quatro vezes.
Por fim deteve-se em um livro grosso, ficou alguns segundos
observando o retrato da capa: um senhor, cabelos brancos, bigode fino e uma
expressão amigável.
Com um movimento nos lábios o menino soletrou o título: “O
Poeta do Mulungu”.
Deu uma leve risada e repetiu: “Mulungu”.
Mais abaixo, tentou soletrar, gaguejou. Tentou novamente,
desistiu diante do nome complicado do autor: “Erathósthenes Menezes”.
Deu outra olhada ao redor e continuou sua exploração, folheou
o volume, deteve-se. Soletrou mudamente algumas palavras, foi pra outra página,
depois mais outra.
Permaneceu nesta operação por alguns minutos até que foi
despertado por um peteleco na orelha, dado por um de seus colegas de aventuras.
Readquiriu o semblante desafiador de menino de rua, disse
alguma coisa ao parceiro, deu uma olhada desconfiada ao redor, virou-se,
encostou-se ao colega e, com um gesto rápido, ocultou o livro embaixo da camisa
e saiu furtivamente.
Alguns passageiros que estavam no interior do ônibus viram a
cena.
Uma senhora, com ares de correta dona de casa, resmungou:
“Olha lá, por isso que a cidade tá pestiada de ladrão. Ficam aí, tudo solto,
aprendendo o que não presta. E dá no que dá: roubam usam droga e matam pais de
família. É tudo igual ao Jararaca. Depois esse pessoal dos direitos humanos
ficam querendo prender os policiais porque matam esses bandidos.”
Alguns passageiros acenaram positivamente com a cabeça,
concordando com a opinião da respeitável senhora. Um homem, que estava em pé ao
meu lado, foi mais à frente: “Tem que matar mesmo”.
Por meu turno pensei em fazer um discurso e argumentar que o
moleque – mesmo não sabendo disso – não roubou nada, que aqueles livros estavam
ali pra qualquer um pegar. Teria dito também que acreditava que aquele livro,
pela atitude do menino, não viraria fogo ou seria utilizado em função menos
nobre.
Quem sabe aquele livro iria povoar suas fantasias e
conduzi-lo à sua salvação social. Tendo o discurso prestes a saltar-me pela
boca, deixei-me arrastar pela espiral do silêncio. Com um chiado o motorista do ônibus fechou a
porta e, após duas aceleradas, pôs o veículo em movimento.
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