Ela.tem trinta e oito anos, gostaria de casar e ter
filhos, mas o homem por quem está apaixonada não tem onde cair morto. É um sujeito
culto, inteligente, idealista, sem a menor vocação para ganhar dinheiro. Mora
num apartamento minúsculo e parece feliz em andar de ônibus e comer fora em
lugares baratos, apesar de estar chegando aos 40 anos. A minha amiga não.
O pai dela foi um provedor dedicado e um marido amoroso, que
criou as filhas com desvelo, para viver e casar bem. Ela admite que, no fundo,
gostaria de encontrar um homem prático e bem sucedido como o pai para começar
sua própria família, mas, ao mesmo tempo, sente que ama o professor de olhos
tristes. Se eles vierem a casar, está claro que viverão do salário dela, que é
bom. Ela hesita. Diante da possibilidade de se tornar a provedora da casa, a
primeira na história da sua família, ela morre de medo. Não era bem assim que começava
a história do Príncipe Encantado.
Mas, nessa hora, algo emperra na cabeça de algumas mulheres,
como emperrou na cabeça da minha amiga. A inversão de papéis não lhes parece
natural, e muito menos promissora. Elas puxam o freio de mão, ou pulam fora do
relacionamento. Preferem o risco de ficar sozinhas a converter-se,
voluntariamente, na cabeça econômica de um casal.
Lembro de ter lido, tempos atrás, uma entrevista com jovens
executivas que ilustra de forma extrema essa atitude. Todas elas, diante da pergunta
sobre a possibilidade de se juntar a um homem com menos dinheiro, negaceavam.
Uma delas dizia, com todas as letras, que não aceitaria um sujeito que houvesse
conseguido menos do que ela na vida. A única medida de sucesso que ela parecia
perceber era dinheiro, patrimônio, renda. Se o sujeito tivesse acumulado uma
cultura imensa, se carregasse uma história de vida extraordinária, se fosse
feliz, intenso, engraçado, brilhante ou sensual, nada disso parecia contar.
Fiquei com a impressão de que a jovem executiva cogitava para si mesma uma
fusão comercial, não uma parceria afetiva. Talvez antes de envolver-se com
alguém ela requisitasse os serviços de uma empresa de consultoria... Segurança
econômica talvez seja a principal. Quem já passou necessidade sabe que a
constante falta de grana pode provocar situações terríveis no interior dos
casais e das famílias. Dinheiro traz conforto, tranquilidade, a possibilidade
de fazer coisas gostosas e oferecer aos filhos horizontes que os pais muitas
vezes não tiveram. Por isso tudo, é bom ter em casa alguém com capacidade e
disposição para ganhar dinheiro - mas por que essa pessoa precisa,
necessariamente, ser o homem?
Minha amiga, aquela do começo desta coluna, sabe que é capaz
de ganhar dinheiro pelos dois, mas teme que o homem de quem ela gosta não seja
bom marido ou bom exemplo como pai. O pai dela, afinal, era protetor, cuidava
de tudo, criou em torno dela, das irmãs e da mãe uma rede de conforto e
segurança econômica que o homem que ela ama, claramente, não é capaz de prover.
Eu entendo o que ela sente, mas acho que talvez esteja confundindo coisas.
Talvez esteja misturando a capacidade de oferecer conforto material com a
capacidade de aglutinar uma família feliz.
O homem que não sabe ganhar dinheiro, mas tem seu trabalho e
seus valores, pode ser o melhor marido e o melhor pai do mundo, assim como,
através dos séculos, muitas da melhores mães e companheiras do mundo nunca
ganharam um tostão furado. Um homem sem dinheiro pode ser amoroso, generoso,
gentil com as pessoas e cuidadoso com as coisas. Pode ser ativo, espirituoso,
cheio de vida, capaz de boas atitudes e bons sentimentos. Se não for vagabundo
ou ressentido, pode ser um ótimo exemplo para os filhos – exemplo de que o
dinheiro e o sucesso material não são a coisa mais importante da vida, exemplo
de que há outros valores além dos que o dinheiro é capaz de comprar.
Talvez não haja muitas mulheres dispostas a bancar um homem
desses, porém. A maioria talvez prefira a relação com um tipo convencional, com
mais jeito de provedor. Esse negócio de ser o chefe econômico da casa, afinal,
não é moleza. O estresse que vem com a posição é enorme, dura décadas, e no
final rouba uns 10 anos de vida de quem o abraça. É um preço que os homens vêm
pagando há muitas gerações. Eles escolhem a mulher com base apenas nos seus
sentimentos e desejos, sabendo que terão de trabalhar duro, provavelmente pelo
resto da vida, para cuidar da família que fizerem com ela. Não é uma opção
fácil, como a minha amiga está percebendo, mas tem suas gratificações. Exige
coragem, porém. No caso das mulheres, a coragem adicional de desafiar
convenções e de romper com os preceitos da própria cabeça.
Nenhum comentário:
Postar um comentário