sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

RELACIONAMENTOS

Na faculdade um  professor passou um documentário sobre a vida de Sergio Buarque De Holanda que no trecho que quero comentar dizia que gostava  muito de ler. Ou melhor, ele gostava  muitíssimo de ler, e gostava mais  ainda  de comprar livros, muitos dos quais ele manda vir do exterior. Comparado com outros, o vício dele é tão benigno que pode ser considerado uma virtude. Mas sua mulher não concordava  com isso. Ela achava, com alguma razão, que ele gastava demais com leitura. O assunto virou motivo de brigas do casal. Para evitá-las, ele fez um trato com um amigo ele entrega na casa como se estivesse emprestando ou  deixa os livros na agência do Correio. O  amigo os apanha lá e contrabandeia na bolsa para dentro de casa, sem que a mulher dele  percebesse. A biblioteca dele é, aparentemente, a única do mundo que crescia  de forma vegetativa  rss.
Visto do ponto de vista desta história singela, quase cômica, o casamento revela-se uma instituição infernal.
Num momento, há uma mulher encantada com a cultura, a inteligência e a falante erudição do namorado. O fato que ele leia abundantemente, até exageradamente, reforça a impressão de singularidade do sujeito, torna-o ainda mais interessante. Passam-se os anos, dividem-se a renda, o patrimônio e as peças de roupa na máquina de lavar e, pronto, opera-se o inverso de um milagre – o intelectual torna-se um perdulário, uma ameaça à renda familiar, um irresponsável que se vê obrigado, em nome da paz doméstica, a traficar literatura clandestina para dentro de casa, como se fosse maconha ou cocaína.
Como chegamos a isso, senhoras e senhores?

Eu não faço a menor ideia, mas sei que acontece. Quando você conhece uma pessoa atraente, você a quer como ela é. O salto lá em cima, o decote lá embaixo e aquele jeitinho de falar a três milímetros de distância, o seu nariz quase roçando o narizinho vermelho . Aí você se envolve com a criatura e tudo vira um pesadelo. As roupas, a intimidade imediata com estranhos, o hábito de beber e a insistência – a maldita insistência – de ficar na festa até o fim, quando as coisas realmente acontecem. Mas você já não quer que aconteça mais nada, certo?Tenho uma amiga que anda saindo com um rapaz já faz algumas semanas, talvez mais de mês. Toda vez que eu telefono ela está com ele. Quando conversa comigo, fala sobre ele. Saem toda hora, imagino que durmam juntos vários dias por semana. Planejam viagens. Eu perguntei   se estavam namorando e a resposta veio límpida: NÃO! Minha amiga parece querer evitar a maldição das palavras. Se disser que está namorando, talvez tudo mude, para pior. Então ela apenas “sai” com ele, e assim continua vivendo da maneira como gosta. Com ele. Eu não sei se acredito nessas coisas. Talvez eu seja conservador, mas acho que a cultura humana tende ao compromisso. Nós mudamos o nome dos relacionamentos e até abrimos mão deles, mas não conseguimos alterar sua natureza profunda, que ainda é totalitária. Quem tem mais autoridade e mais poder sobre nós do que a pessoa com quem nos relacionamos? Quem tem mais capacidade de nos causar dor? Acho que minha amiga vai seguir namorando sem usar o nome e que outras pessoas evitarão envolver-se, para preservar seu desejo e a sua autonomia. Eu, além de sofrer de todas essas coisas, vou continuar, inutilmente, tentando entender o que nos aflige.

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