Sem a necessidade de consultar estatísticas, eu aposto que a
maior tribo do mundo é formada por gente que está na vida sem ter noção do que
fazer com ela ou consigo mesmo. São os perdidos. Eles podem ter rotinas,
hábitos, obrigações e distrações, mas o senso de propósito e direção está
ausente. Vivem um dia depois do outro e às vezes parecem avançar decididamente
em alguma direção, mas é melhor não perguntar por quê. A pessoa pode desabar no
choro. Quem é perdido - ou está perdido - tem sentimentos dolorosos e confusos.
Se essa descrição parece familiar demais, não se envergonhe:
o mundo está cheio de gente como você, ainda que passem o dia fingindo que
sabem para onde vão. Eu, por exemplo, me sinto perdido várias vezes por semana,
e tudo indica que sou uma pessoa normal. Estar perdido ou sentir-se perdido
parece ser parte da condição humana. Ninguém escapa.
Isso não quer dizer que seja gostoso. Todos se lembram da
sensação infantil de soltar-se da mão da mãe na multidão. É horrível. Estar
perdido na vida adulta pode reviver a mesma aflição. A gente olha em volta e
não sabe para onde prosseguir. Não sabe nem para onde quer ir. Não há ninguém
capaz de nos acolher e orientar. A confusão é assustadora e pode durar um tempo
enorme. Ao contrário das crianças, os adultos não choram pedindo ajuda. E,
mesmo quando o fazem, outros adultos não vêm correndo para abraçar e socorrer.
Sentir-se sozinho parece ser parte inseparável da sensação de estar perdido.
Ainda bem que não é o fim do mundo. Embora o mundo adore os
práticos e trate melhor quem avança em linha reta, a falta de rumo pode ser
apaixonante. Seres humanos perdidos costumam ser transparentes e sinceros, além
de surpreendentes. A fragilidade da sua condição lhes confere uma espécie de
humanidade explícita, que pode ser muito sedutora. Se a pessoa não tem um plano
detalhado para a própria vida, está aberta a grandes e pequenas aventuras. Pode
viajar, pode se apaixonar, pode mudar de ideia radicalmente. Pode jogar tudo
para o ar e começar do zero – em outro país, em outra companhia, em outra
profissão, em outro plano.
Mesmo os moderadamente perdidos costumam ser mais
interessantes do que os que andam pela vida com GPS ligado. Esses, francamente,
costumam ser chatos, enquanto as pessoas que sofrem, hesitam e se confundem são
capazes de despertar compaixão e empatia. É mais fácil amá-las – eu acho -
porque a gente se percebe nelas. Elas verbalizam os medos que os outros
escondem e fazem perguntas a si mesmas que os demais têm vergonha de fazer. Eu
sou feliz? Eu tenha certeza? É realmente isso que eu desejo?
Quando a gente se envolve com gente assim, é convidado a
entrar num mundo que sacode e suspira, e que, frequentemente, tem os olhos
cheios de lágrimas. Nele há longas conversas noturnas, sexo apaixonado e
necessidade de abraçar e cuidar. Existe também o risco de que amanhã cedo sua
pessoa perdida se levante e anuncie a partida, movida por uma inquietação aguda
e inefável que exige apenas uma coisa: mudança. O que fazer?
Tudo isso parece levemente insano, mas, num mundo estropiado
como é o nosso, os perdidos podem estar certos. Como é possível ter clareza e
direção em meio ao caos que nos circunda, lendo as coisas assustadoras que
lemos nos jornais? Talvez haja algo de errado com quem não sente estar perdido
e simplesmente avança, como se o mundo não estivesse chacoalhando ao redor. Os
que têm certeza talvez sejam esquisitos.
Isso nos traz naturalmente aos buscadores. Num
mundo de mentiras e autoengano, eles são de alguma forma especiais, porque
admitem estar sem rumo e desorientados. Fazem disso a sua plataforma de
largada. É provável que, assim como o resto de nós, eles não cheguem a lugar
nenhum - mas ao menos terão tentado. Não é certo que a vida faça sentido e que
haja nela algum propósito. Mas tampouco é certo que sejao contrário. Talvez a
vida seja aquilo que a gente escolhe fazer dela: um bolinho de arroz, um filho
de cabelos crespos, um beijo no escuro da barricada.
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