domingo, 17 de julho de 2016

TEMPOS MODERNOS




Não adianta falar de amor para quem não tem sentimentos para ouvir. Nem adianta explicar o desamor a quem está apaixonado. As pessoas continuarão vivendo suas próprias emoções, imunes à lógica das palavras. A razão se aplica como um freio – não se pode insultar, não se vai agredir, não se vai detratar ou perseguir quem nos machuca –, mas é incapaz de estancar sensações ruins. Não há palavras que reparem uma alma ferida. Apenas o tempo faz isso.
O que as palavras fazem é alimentar o que já existe.
Uma atração estabelecida no subsolo das almas pode crescer com palavras que a confirmem. Uma conversa de ruptura será decisiva para quem secretamente deseja partir. Mas, mesmo um mar de palavras não consegue criar uma paixão do nada, e nem será capaz de destruir aquela que ainda existe. São os sentimentos – por trás e por baixo das palavras, dentro e fundo no interior de nós – que realmente importam. A comunicação criada pelas palavras é supérflua. São as almas que conversam, em silêncio.
Isso nos deixa – vocês percebem? –  com uma divisão interna irreparável. Nossa proposta de convívio se baseia no uso das palavras e no controle das emoções. Mas, na verdade, são as emoções que nos controlam, sob a pele fina da racionalidade. E as palavras frequentemente são inúteis. Explicam, mas não consolam. Iluminam, mas não transformam. Por isso somos assim: falsos modernos, falsos racionais, falsos equilibrados. Seres verdadeiramente perdidos em busca de um amor que nos abrigue e silencie em nós a corrente vã e incessante de palavras.
Racionalidade tem limites. Noto em mim, e nas pessoas a minha volta, como é difícil manter convicções e princípios quando eles contrariam nossas emoções. Sobretudo aquelas que envolvem sentimentos amorosos. Abre-se nessas ocasiões uma distância enorme entre discurso e sensibilidade. Por conta dela, gente bacana se comporta de maneira inaceitável.
Carlos Drummond de Andrade, o mais tímido e gentil dos poetas, uma vez fez escândalo nas ruas do Rio de Janeiro ao ver sua amante de braço com outro homem. Ele era casado, não tinha esse direito, mas reagiu aos berros ainda assim – e a moça voltou para ele, pelo resto da vida.


A gente sabe de onde vem essa atitude, não? Há machismo nela, mas não só. Muitas mulheres se portam de forma possessiva e irracional e não se pode acusá-las de machismo. Acho mais fácil entender que temos uma cultura afetiva antiquada, doentia, que autoriza homens e mulheres a sentir-se com direito sobre o corpo e os sentimentos do outro. Os homens defendem esses falsos direitos com agressividade e violência, enquanto as mulheres usam formas mais sutis de controle. A sensação de que o ser amado simplesmente nos pertence está em todos nós, inclusive homens e mulheres

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